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sábado, 27 de maio de 2017
quinta-feira, 11 de maio de 2017
Nojoom, 10 anos, divorciada
Baseado no
drama real de Nujood Ali, que em 2008, aos 10 anos, era a mais jovem divorciada
no mundo, a história se tornou um livro e a cineasta Khadija Al-Salami
adaptou a narrativa para o cinema. Sem
dúvida, o filme é de suma importância, temos a obrigação de denunciar a
situação dessas meninas, pois como é relatado na película, 70 mil garotas
morrem por ano por causa do casamento infantil.
Apesar da
direção do filme deixar um pouco a desejar, (talvez o formato de documentário
fosse melhor) foi uma experiência muito impactante assistir ao drama dessa
menina que se casa aos 10 anos e consegue se divorciar com a mesma idade, algo
único e inédito na história do Iêmen.
O filme nos
apresenta a trajetória de Nojoom desde o seu nascimento, que por sinal é
interessante marcar, pois a irmã queria que seu nome fosse Nojoom (que significa estrela). No entanto, seu pai, que demonstra decepção a saber o sexo do bebê, decide por Nujood que
significa escondida. Apesar essa desilusão inicial, o pai demonstra muita
afeto pela filha durante a infância. Fiquei refletindo se a troca desses
significantes que nomeariam a menina afetaram seu destino. Porém, depois que
conhecemos a realidade das famílias que vivem nas montanhas, ou seja, pessoas
analfabetas que sobrevivem somente do seus gados e do que plantam, entendemos
que o Iêmen é mais um país onde as classes sociais são bem definidas e que,
como sempre, os pobres são ignorantes, sem acesso a informação, machistas e preconceituosos. Portanto, as chances de
Nojoom ou Nujood viver seu destino cruel eram mais reais do que distantes.
Voltemos a
história de Nujood. A família tem que
sair das montanhas devido a uma tragédia vivida pela irmã mais velha. Seu
pai vende tudo que possuía e se muda com a família para a cidade. Na cidade, tendo dificuldade de arranjar emprego, pois analfabeto só pode trabalhar na
construção civil, e por não ser mais tão jovem, também não consegue trabalho.
As mulheres (o pai tem duas) e os filhos passam a pedir esmolas nas ruas. Logo
o pouco que o pai de Nojoom recebeu quando vendeu o que tinha nas montanhas se
esvai e a fome toma conta da família. A única solução para essa situação
trágica é vender os filhos: a filha de 10 anos para um outro montanhês que quer
comprar uma “mulher” para casar e um outro filho um pouco mais velho para ser
escravo para um árabe na Arábia Saudita. Os filhos viram mercadoria de troca
para sobrevivência da família.
Por outro
lado, também vemos na cidade um Iêmen moderno, classes abastadas como a dos
juizes com casas suntuosas, filhas educadas e uma realidade totalmente diferente
da família de Nojoom. A desigualdade é gritante, como na maioria dos países pobres.
Não vou me
deter ao que acontece com Nojoom quando se casa, porque qualquer
um pode imaginar a crueldade que essa menina de 10 anos, que inclusive ao se casar leva a boneca que comprou com o dinheiro da aliança, sofre. Desde
a primeira noite sendo estuprada e depois dias e dias sendo forçada a ter sexo
com um homem, sendo escrava da família e sem poder ter contato com ninguém de
sua família. Cruel é o único significante que chega perto para nomear o destino
dessa menina e de tantas que vivem no Iêmen. Seria muito mais simples culpar o
pai de Nojoom e o homem que a comprou por suas atitudes perversas. Claro que
ambos são responsáveis por cometerem esse crime. Mas vejam bem, isso só é crime aos nossos olhos, mas é importante frisar que parte de toda a
sociedade do país é culpada também por essa crueldade. Primeiro, permitindo por
lei que meninas a partir de 8 anos se casem; essa lei permite que maridos como
o de Nojoom, que é um outro ignorante e analfabeto como seu pai, utilize-se de uma lei absurda para
apoiar seu desejo de comprar uma “mulher”. Que valores são esses? Me
lembrei muito de Freud e seu belíssimo texto O Mal-estar na Civilização (Das Unbehagen in der Kultur, 1930), no qual ele comenta a questão da cultura como barra para os instintos: quanto mais um
homem não tem acesso a valores civilizatórios, mais suscetível aos instintos ele será. O que vemos é todo um ciclo vicioso de ignorância, miséria e desigualdade
social que alimenta tudo que há de pior nos seres humanos, sobrando como opção
sempre algum tipo de escravização; no caso do filme, a mais antiga de todas, qual seja, a que coloca os sujeitos do sexo feminino como objeto de desejo ou gozo
do outro.
Nojoom com
sua história nos mostra além da crueldade imensa de um homem possuir
sexualmente uma criança, a ponto de muitas morrerem de hemorragia, existe toda
uma realidade sócio-econômica que infelizmente alimenta, inclusive legalmente, esse absurdo. Afinal, que homem com o mínimo de bom senso e informação se
casaria com uma criança? Não é só ele que não vê essa menina como criança, mas,
por todos que vivem sem direito à educação, à saúde, a trabalhos justos, que são
esquecidos, excluídos e ignorados por aqueles que governam e legislam naquele
país.
Saí do
filme pensando: será que se aqui no Brasil também não fosse proibido o
casamento infantil, não teríamos uma situação semelhante ao do Iêmen? Pelo
menos o que tange a semelhança de pobreza e ignorância, os dois países são bem
parecidos.
quarta-feira, 3 de maio de 2017
Os Cowboys
O que você
como pai ou como mãe faria se sua filha de 16 anos desaparecesse com o
namorado? Esse é o tema central do filme Os Cowboys, roteiro e direção de Thomas Bidegain, mesmo roteirista de "O profeta", "Ferrugem e Osso" e "Dheepan, o Refúgio" (Palma de Ouro em Cannes 2015), aos quais assisti todos e os considero excelentes. "Ferrugem e Osso" já comentei no meu canal do YouTube e é um dos vídeos mais acessados.
Em sua estreia como diretor, nesse filme Bidegain nos traz essa história densa e angustiante. A partir do
desaparecimento de uma adolescente em
uma festa americana (na qual os
habitantes dançam, cantam músicas country e se vestem como cowboys) vemos a
família se desorganizar dia após dia.
Alain (François Damiens), o pai, entra em
uma busca incansável pela filha, que depois passa a ter o apoio do filho Kid. É
triste ver como esse acontecimento vai fazer com que a família se desintegre.
Fiquei pensando se a atitude obcecada do pai também não era uma culpa
recalcada por não ter percebido o que estava acontecendo com a filha e por não
ter conseguido impedir sua partida. Em alguns momentos, fiquei até em dúvida se
ela tinha sido sequestrada ou se escolheu fugir com o namorado muçulmano Ahmed.
Contudo, percebemos que quer fosse sequestro
ou uma escolha de Kelly, esse evento interferiu profundamente em todos e de
forma muito traumática. Alain em sua busca é extorquido em troca de
informações e tem acesso ao submundo dos
extremistas islâmicos que atraem jovens europeus a fim de integrarem seus exércitos.
O filme se inicia em 1994, penso que Bidegain quis nos mostrar que essa invasão
da Europa pelos muçulmanos data de um longo tempo, e como isso afetou as
pequenas cidades.
O irmão Kid se torna médico e retoma a busca
pela irmã quando tem condições. O pai transmite seu desejo para o filho, e pode-se até inferir que uma outra tragédia que acontece durante sua busca, mesmo não sendo intencional, poderia ser o desejo inconsciente de Alain em eliminar o
outro, que lhe causou tanta dor. Por 18
anos acompanhamos a saga dessa família para saber o paradeiro de Kelly.
Esse filme
me remeteu aos questionamentos atuais em relação aos adolescentes. Kelly é
considerada uma boa aluna, uma boa menina, mora em uma cidade pequena, no
entanto, os pais não sabiam que ela namorava um muçulmano e que inclusive
estava aprendendo a língua árabe. Sem dúvida, adolescentes são uma caixinha de
surpresa e o primeiro amor é sentido com uma força arrebatadora. Só isso
poderia justificar a escolha dela em deixar sua família para viver em outro
país, falar outra língua, mudar de nome e se converter a uma religião austera.
Os Cowboys nos mostra o quanto somos impotentes em relação aos desejos do outro, mesmo
que este outro seja nosso filho. Presenciamos um pai que não consegue aceitar e suportar a perda dessa filha, pois é compreensível que ele a
procurasse, mas essa perda o fez viver mais perdas, não possibilitando uma
simbolização. Em momento algum vemos Alain falar de sua dor, apesar dela estar
estampada em seu olhar e no seu desespero em encontrar a filha. Mas não há
troca entre a família, nem espaço para se vivenciar a dor. Alain joga tudo em
sua busca, de forma compulsiva, talvez ele precisasse de algo concreto para
poder aceitar a perda dessa filha, ou realmente não possuía recursos internos
para lidar com ela. Sem dúvida, a pulsão de morte toma conta da vida desse pai.
Poder chorar, falar e não só odiar, pode ajudar e muito a se fazer um luto. Interessante que Kelly foge com um muçulmano e Kid acaba também
casando com uma afegã, parece que esse traço em relação às diferenças ficará
marcado nessa família.
No final,
ficamos meio que como Kid, (quem assistir ao filme entenderá o que estou
dizendo), sentimos um misto de vazio com tristeza, sensações que o real provoca
quando comparece. Simplesmente o real é
isso, inominável e silencioso como o término do filme.
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