O inimigo
da turma de Rok Bicek, filme esloveno de 2013, foi baseado nas próprias
experiências do roteirista, quando cursava o ensino médio .Esse filme aborda um
tema polêmico e profundo como pano de fundo : o suicídio. Porque alguns temas
como sexo e morte geralmente são tão difíceis de se abordar? Na psicanálise,
desde sempre, sabemos que sexo e morte são temáticas enigmáticas para todos os
sujeitos, cada um tem que encontrar seus próprios significantes para lidar com
essas questões existenciais e inexoráveis para todos.
A partir
dessa breve introdução, vamos ao filme. O enredo acontece em uma escola particular
de ensino médio na Eslovênia, em que uma professor grávida será substituída em
função de sua licença maternidade. Acompanhamos como espectadores, os alunos
recebendo o novo professor Robert, que lecionará alemão. Alto, magro, elegante, sério, meio
frio e pouco receptivo , ele assume a turma e utiliza o escritor Thomas Mann
para ilustrar o conteúdo da disciplina.
Muito
exigente, tem como uma das normas em sala,
que os alunos só falem alemão . Um dia, depois
do horário da aula, Robert ouve em uma sala o som de um piano, entra, para e escuta uma de suas
alunas, Sabina tocando.
Em outro
momento, ele conversa com Sabina e pergunta o que ela quer ser, e sugere de
forma pragmática, fria e meio desajeitada, que ela deveria tocar piano, pois
tocava muito bem. Sabina sai da sala correndo e muito abalada, vai para o
banheiro, chora e fala que encontrou o professor para as colegas, porém sem
contar os detalhes.
No dia
seguinte, quando turma iria começar assistir a aula, é surpreendida pela notícia dada pelo
professor, que Sabina havia cometido
suicídio.
Vemos toda
a turma em choque, com exceção de um aluno. Aí começa o drama do filme. O
professor, apesar de sua maturidade, de possuir muito controle emocional e coerência em
suas atitudes, falta-lhe sensibilidade e compaixão, para se colocar no lugar
dos alunos, que naquele momento tão delicado, precisavam falar e expressar o
que sentiam em relação a morte da colega. No entanto, não há transferência por
parte dos alunos em relação ao professor. Sabe-se que a transferência é
essencial para um processo de confiança e abertura, sem essa condição, não
haverá troca e disponibilidade para se abordar a dor, tristeza ou raiva. Quero
fazer um rápido parênteses , em relação ao filme, e contar o que vivenciei
nessa mesma semana que assisti a esse filme. Alguns dias antes de assistir ao
filme, fui informada que um aluno nosso, na Faculdade que leciono tinha se suicidado.
Falei com uma colega que era mais próxima da turma, que era importante, os
alunos terem um momento para falarem dos sentimentos que estavam sentindo em
relação ao acontecido. Paulo, o aluno que se suicidou era alegre, amigável,
carinhoso e atencioso com todos. Minha colega não só concordou, como me pediu
para que fosse conversar com a turma. No dia combinado, fui ver a turma, todos
estavam muito abalados, vários alunos chorando. Não quero me estender, mas,
poder estar no lugar do outro, é tentar sentir e entender sua dor. Só assim podemos, ser úteis e dar espaço para
o outro falar, chorar e expressar sua dor. Não adianta, querer racionalizar,
como faz a psicóloga no filme, explicando as fases do luto, ou simplificar como
fez o professor, com sua frase: “a vida continua”. Sem dúvida a vida continua,
mas como ela continuará? Voltando ao filme, sem espaço para falar, os alunos
começam a atuar sua dor, as pressões que vivem, suas angústias e sua revolta
com o que aconteceu com Sabina. Como é comum, costumamos procurar um culpado para justificar situações
injustificáveis como por exemplo, o suicídio. E, como vimos em Psicologia das
Massas, texto de Freud de 1921, é
característica dos grupos, a identificação, e, no filme, percebemos como a
influência de um dos alunos que havia perdido a mãe recentemente, envolve
vários colegas em relação a culpa e ofensas a Robert. A maioria da turma passa a
culpar o professor, pois a colega se matou um dia depois do episódio na sala do
piano. Robert vira “o bode expiatório” para tudo que eles vivem, a revolta com o
sistema de educação, a exigência das notas e por fim, a morte de Sabina. É como
se, aquela morte fosse a gota d’água para o copo transbordar. Quanto mais o professor fica indiferente
a revolta e acusações dos alunos, mas eles comparecem com atos de ofensas,
agressividade oral, a ponto deles utilizarem o significante “Nazi” para ofender
Robert.
A situação
chega no limite quando os alunos se trancam no estúdio da escola, e transmitem
para todos, o que sentem em relação a morte da amiga, ofendem o professor e
colocam o áudio da música que a colega
tocou no piano, um dia antes de morrer, para a escola inteira ouvir.
Os alunos incansáveis, comparecem à aula,
todos, menos um (que não se envolvia com o grupo), com uma máscara representando
o rostro de Sabina e deixam uma máscara para Robert em cima de sua mesa. Nesse
momento, o professor surpreende a todos, pois entra na sala, também coloca a mascara.
Em seguida pede uma aluna, a melhor amiga de Sabina, que leia o texto que ela
redigiu sobre a morte da colega. O texto é forte, cheio de emoção e muito
verdadeiro, pois nele, ela expõe sua dor e sua raiva por Sabina ter morrido. A
disponibilidade do professor em se colocar um pouco no lugar dos alunos que
estavam sofrendo e pedindo atenção, finalmente comparece quando Robert coloca a
máscara e, em seguida, solicitando à colega que lesse seu texto tão tocante e
profundo. Embora tardio esse movimento dele, pois foi necessário tanto barulho
dos alunos para serem ouvidos, surte um efeito na turma. Algo mudou e
permite que eles possam pela primeira
vez, ao invés de ofender e acusar, abrir um espaço simbólico, e falar do
assunto, embora apresentando ainda uma carga de agressividade intensa, porém, as emoções podem ser expressadas e não só
atuadas reativamente.
Esse filme,
é excelente, para percebermos, o quanto a fala é fundamental, ou seja, o
simbólico, é o primeiro passo para tentar dar um pouco de contorno ao real, que
sempre nos surpreende e pode ser traumático e
mortífero, não só para quem escolheu a morte, como no caso da Sabina,
mas também para seus colegas, que ficaram vivos, mas teriam que conviver com
sua ausência. Em uma de suas aulas, Robert conta aos alunos que Thomas Mann,
escritor alemão que é estudado por eles, também teve um filho que se suicidou e
que essa tragédia iria influenciar sua escrita e seus livros posteriores, depois, parafraseia uma célebre frase do
autor:
“A morte de um homem afeta mais quem fica do
que a ele próprio.” Thomas Mann