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segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Animais Noturnos









Filme Animais Noturnos – Quais são os seus?

Existem várias maneiras de se contar uma estória, a linguagem cinematográfica se utiliza de imagens, trilha sonora, efeitos especiais, e um roteiro.
Tom Ford, estilista famoso, que dirige seu segundo filme, (o primeiro Direito de Amar, de 2009 é um show de arte fotográfica e sensibilidade, imperdível), parece que tem o dedo de Midas, “tudo que toca vira ouro", como estilista, tudo que criou foi um sucesso e agora, como diretor, não parece ser diferente, com seu olhar estético apurado e sua sensibilidade  dirigiu seu novo filme que por várias vezes lembra aos filmes: A grande Beleza e A juventude de Paolo Sorrentino, verdadeiros deleites para os cinéfilos. São obras que no presenteiam não só com um bom roteiro, mas também por uma trilha afinadíssima com a imagem e um cuidado estético primorosos.
Em Animais Noturnos, Tom se utiliza da metalinguagem para contar sua estória, ou seja é uma estória dentro de outra estória.
Na primeira estória, o filme nos mostra Susan, uma mulher rica, curadora de um Museu em Los Angeles, casada a 20 anos, infeliz no casamento, solitária e insone. A segunda estória começa, quando Susan recebe de seu ex marido Edward, um exemplar de seu livro, dedicado a ela cujo nome é Animais Noturnos. A partir do momento em que Susan começa a ler o livro, vamos tendo acesso concomitantemente a três tempos: o passado de Susan com Edward, seu presente e a estória do livro. É muito interessante como Tom faz a ligação dos tempos, se utilizando de signos, cores e objetos (um deleite para os semióticos) por exemplo, quando Susan está discutindo com Edward sobre um livro que ele escreveu quando estavam casados, ela está sentada em um sofá vermelho, e no livro atual de Edward, o sofá em que estão deitadas as duas mulheres nuas também é vermelho e logo em seguida no presente vemos uma mulher nua também deitada de lado na mesma posição que as outras mulheres. Sei que é meio complicado visualizar o que estou relatando, mas quando vocês assistirem perceberão essas passagens de close. No filme assistimos várias vezes estas passagens, de uma estória a outra, com estes recursos que fazem com que dê continuidade ao olhar do espectador.
É incrível, como ficamos presos desde o inicio da leitura do livro de Edward até o fim do mesmo por Susan, pois o livro é intrigante, violento e intenso, ou, parafraseando a própria Susan, devastador.
Aos poucos, vamos sabendo do motivo do término do casamento  com Edward, e as escolhas de Susan. Em um diálogo muito sincero entre Susan e sua mãe, podemos perceber o quanto o Discurso do Outro pode ser implacável e na maioria das vezes determinante para as nossas escolhas. Significantes como: burguesia, riqueza, ambição, fraqueza e romântico, marcam bem essa conversa entre as duas. E sua mãe fecha o diálogo como a observação certeira: No futuro, tudo o que você admira no Edward, será motivo para você odiá-lo. Susan certamente amava Edward, mas, seu desejo não foi suficientemente forte para suportar as diferenças e tentar uma vida diferente da família burguesa, conservadora, racista, homofóbica e texana. Aí podemos refletir sobre o primeiro ponto do filme. Nem sempre o amor vence os ditos do Outro, é preciso um pouco mais, e assumir perdas é para os fortes, ao contrário do que a mãe dizia de Edward. No entanto, esse término entre os dois não foi tranquilo, quando vocês assistirem verão, mas, para Edward o término foi traumático e devastador, como seu livro. A escrita é umas das formas mais profundas de elaboração, na qual o autor, sempre colocará algo de si (talvez, não por acaso, o mesmo autor que faz o personagem do livro é o mesmo que representa Edward).
A medida em que Susan lê o livro, mais tocada fica, com a violência e dor que é reproduzida nele, mas, por que esse livro tão denso é dedicado a ela? Não seria uma elaboração de Edward em relação a tudo que ele viveu com Susan? Vemos morte, estupro, dor e suicídio. Penso que Edward se sentiu assim quando Susan partiu, um homem despedaçado, solitário, impotente e vingativo, tal qual o personagem de seu livro. No romance seu único companheiro será o policial que tentará esclarecer os fatos. Esse policial não poderia ser seu Supereu, ou seja, aquele que dita as leis para cada sujeito? Pois, será ele que permitirá o personagem do livro liberar seu ódio e sua vingança. E o estuprador? Seria Susan, que não respeitou os sentimentos de Edward? O livro certamente é uma metáfora dos sentimentos de Edward e cada personagem, ato e posição é uma faceta dele e de Susan. Por isso ela fica também tão mobilizada.

A morte no livro poderia ser a libertação de Edward, de um passado doloroso e pesado que ele carregou por tanto tempo. A dor é atemporal e como dizia Lacan, cada sujeito tem seu tempo lógico, seu momento de compreender e de concluir. Edward demorou 20 anos para concluir e se utilizou da forma que mais gostava para isso, escrevendo, não uma carta, um e-mail, um xingamento como muitos fazem, quando estão com ódio do outro, mas, com um estilo mais sofisticado, o dos grandes artistas, criando um livro denso, intrigante, cheio de metáforas, signos, símbolos e significados. Filme imperdível para quem gosta de refletir sobre as películas que assiste.

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