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terça-feira, 22 de outubro de 2019

Her, um amor entre o sujeito e máquina, os sem-corpo



Her é um filme de 2013, escrito dirigido e produzido por Spike Jonze, com atuações do maravilhoso Joaquin Phoenix e da voz sensual de Scarlett Johansson, que além de linda tem uma voz, perfeita para esse filme. A película consegue abordar com maestria as “ciber-relações”, a partir do imaginário de uma voz, o sujeito (Théodore) pode se questionar: Quem é o Outro? Quem é esse sujeito ideal? Ideal, exatamente porque não existe. A “voz” consegue antecipar aquilo que o sujeito deseja realizar no real. Essa fantasia em que o Outro ideal existe é realizada imaginariamente, esta proporciona muita felicidade para Théodore, que é um homem solitário, tentando fazer um luto de sua separação com a esposa. “Samantha” é um bálsamo para essa era de desamparo, isolamento e medo das relações amorosas. O OS – Sistema Operacional – se enquadra perfeitamente para esse sujeito que precisa se iludir com a completude, mas sem contudo, estar verdadeiramente com o outro. É interessante ressaltar que Théodore até tenta um encontro no real com uma mulher, mas como sabemos, não há garantia de sucesso, pois, nem sempre esse encontro é bem-sucedido. No caso dele, este não consegue entrar na fantasia da mulher, que busca não apenas um parceiro sexual para passar a noite, mas um marido; ao constatar logo de cara as intenções de Théodore, o clima sensual entre os dois acaba e a mulher o rejeita, fazendo com que ele constate mais uma vez que é melhor investir em um OS, pois esse está sempre “ao seu lado”, apoiando-o, do que se arriscar a encontros frustrantes com mulheres reais. Théodore prefere trocar elas por “Ela”, apesar de Samantha não possuir um corpo, ela supre essa falta, ocupando um lugar no imaginário de Théodore, com sua voz, que produzia um gozo da voz, pulsão invocante, que sempre provocava um gozo a mais para ele, “Ela” sabe além do esperado, inclusive, antes dele mesmo convocá-la, aparando-o, e amenizando suas angústias, a mulher toda, completa. É o amor perfeito, ou o objeto que pode completá-lo.
Mas, até o OS pode causar frustração, angústia e divisão no sujeito, sobretudo, quando a consistência do imaginário é abalada pela falta do corpo e do toque do Outro. O amor pede o corpo, embora, para nós espectadores, Théodore mesmo possuindo um corpo físico, deixa-nos carentes em relação ao seu corpo também, não sabemos quase nada sobre ele, além do seu trabalho e onde vive, pois, não temos acesso por exemplo, ao que pode ter desencadeado sua separação e suas emoções também são escassas e pouco simbolizadas. Foi necessário um “encontro” com a máquina para que ele pudesse iniciar um luto e voltar a desejar o outro. Isso é constatado ao final do filme, quando Théodore percebe como Samantha o mobilizou novamente para a vida e para os desejos, como ela pode ser esse objeto a e causar seu desejo novamente.
Citando Troianovski & Petrosino:
De fato, não apenas ela não tem um corpo, mas o que o filme não desenvolve é o que acontece com o corpo do protagonista... Que idade ele tem? Por que ele se divorcia?
Quem é a mulher grávida? Esta dimensão sutil se revela completamente apagada, ele mesmo é um sem-corpo. Ele nunca mostra seus sentimentos, esforçando-se em responder a demanda do outro a fim de que o desejo não apareça. Ele mostra uma espécie de apatia generalizada: deslocamento do corpo do trabalho para casa e da casa pro trabalho, sem nenhum afeto.
E um sujeito assim escreve cartas de amor para os outros! Que ironia! Este aspecto do filme ressalta um corpo separado de seus afetos, esta falta de subjetivação do afeto é muito contemporânea.  Retomando ao momento que a fantasia começa a vacilar, Samantha, percebendo a angústia provocada por sua ausência de corpo físico, cria uma estratégia para “sanar” essa falta. Ela pede uma mulher para lhe emprestar seu corpo, a fim de representá-la junto a ele. Essa outra mulher, real, aceita esse papel, comovida pela história de amor deles e é controlada por um fone de ouvido por Samantha, a voz, que deseja estar presente durante o encontro sexual.
Enquanto Théodore toca e beija a mulher, ouve a voz de Samantha também através de um fone de ouvido. “’Um ser a três’, como disse Lacan sobre Lol V. Stein. Uma espécie de realização do fantasma feminino, onde o homem, na relação sexual, está com uma outra.” (Petrosino, 2014). A mulher percebe a angústia do homem em relação devido a um pequeno movimento que ele faz com a boca, essa leve vacilação de Théodore não se encaixa na fantasia do casal ele e Her, então Théodore foge, quando se depara com a verdade de todo ser falante, não há relação sexual. Logo depois desse incidente, Samantha “some” por um breve momento, e quando ele a questiona sobre isso, acaba descobrindo que ela o “trai” com mais de 8.000 mil homens ao mesmo tempo, fazendo-os viver o que ela vive com ele. O furo no imaginário que se iniciou com a questão da ausência de corpo de Samantha se abre totalmente com essa revelação da “traição”. Até que a própria Samantha resolve deixá-lo, e aí começa realmente o trabalho de luto e simbolização de Théodore, finalizado com a carta que ele escreve inspirado na experiência vivida com o OS. Nem o computador pode ser “todo” para o Outro, e é partir dessa aceitação e castração que Théodore dá os primeiros sinais de que pode retomar sua vida afetiva. Com as palavras de Troianowski:
Sim, se nós pensarmos que é o encontro com o real que divide, o filme mostra bem como a rejeição do real, que esta relação supõe, permite dispensar a divisão. Nesse sentido, vemos uma forma hipermoderna de fazer com a relação sexual que não existe: deixar de lado o corpo do outro.  Utilizando o filme como metáfora, percebe-se que a fantasia e o desejo de completude representam a dificuldade do sujeito contemporâneo em lidar com seu desamparo, sua falta e sua castração. Essas condições humanas e constitutivas proporcionam a entrada dos gadgets, a fim de ocuparem como Samantha o OS, esse lugar de objeto completo para os sujeitos, na era da contemporaneidade. A tecnologia como vista no filme vai aprimorar cada vez mais seus objetos artificiais, com o intuito de proporcionar essas pequenas “felicidades”, que dão a ilusão de que a é vida perfeita, o outro não possui falta e existe um objeto que não é perdido, pelo contrário, a tecnologia pode produzir um que seja “complementar”.

Referências Bibliográficas:

Troianovski, L. & Petrosini, L. (2014). À propos de Her - Les sans-corps. Recuperado em 13 de junho de 2014 


http://www.congresamp2014.com/fr/template.php?file=Afinidades/Textos/Her.html