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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Arrival, um filme ou uma epifania imagética?







Baseado no conto “Story your life”, Arrival dirigido pelo canadense Denis Villeneuve, que dirigiu os excelentes: Os Suspeitos, Sicário: Terra de Ninguém e Incêndios, este ultimo, um dos filmes mais impactantes que assisti em minha vida, Denis mais uma vez, nos presenteia com sua direção primorosa e espetacular.
Li uma crítica sobre Arrival, em que o o autor descrevia o filme como uma experiência, tenho que concordar, somos arrebatados por uma infinidade de emoções e reflexões, e o desfecho surpreendente causa uma epifania emocional. Quem não assistiu, pode achar que estou exagerando, mas, mergulhar no universo do desconhecido e ao mesmo tempo tão familiar que é a linguagem, é algo pelo menos enriquecedor. Lacan inovou quando afirmou que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. A partir dessa premissa, somos constituídos psiquicamente por vários significantes que nos nortearam e nos conduzem ao longo de nossas vidas, esses significantes nos são transmitidos através do Grande Outro (família, escola, cultura), somos marcados, mesmo antes de nascer, por significantes que nossos pais utilizam para tentar materializar o que seremos quando chegarmos ao mundo. O simbólico dá suporte à fantasia. O que tem a ver Lacan com o filme? Arrival trata da linguagem, afinal Louise Banks, ( interpretada pela excelente Amy Adams) doutora em linguística, é convidada pelo governo Americano a decifrar a língua dos alienígenas que pousam na Terra com um concha.
Louise percebe que para se comunicar com os alienígenas é preciso interação, comunicação visual, além da oral. Aos poucos ela vai entendendo os símbolos que representam a linguagem alienígena e se comunicando através deles. É muito interessante ver a sensibilidade, a persistência e a coragem dela. Vemos que além de conhecimentos técnicos e teóricos, Louise dispõe também de uma qualidade fundamental, a disponibilidade para escutar o outro. Essa sua característica que vai além de seu conhecimento como doutora, permite que Louise veja mais que símbolos, mas também sentido e importância no que o outro está comunicando.
Louise, apesar da aparência esquisita de seus interlocutores, se coloca no mesmo nível, sem medo, sem reservas, sem preconceitos. Sim, porque, com a chegada dos alienígenas, que são 12 conchas no total, espalhadas por vários pontos na Terra, os humanos é claro, começam a se desesperar, a estocar alimentos, a imaginar ataques, enfim, tudo que é transmitido pelo Outro da Cultura, desde sempre, alienígenas são seres maus e querem invadir a Terra. O pânico se instala nos locais próximos, em que as conchas estão localizadas.
No entanto Louise e Ian, um matemático que também é chamado a colaborar no contato com os alienígenas, demostram um posição totalmente aberta e disponível à comunicação. O empenho, o trabalho contínuo e a empatia, fazem com que Louise comece a entender o vocabulário alienígena. Concomitantemente, Louise, que perde sua única filha devido ao câncer, tem muitos momentos de lembrança, enquanto se esforça para se comunicar com os alienígenas. Essas lembranças sempre remetem a diálogos e momentos vivenciados com sua filha, quando era criança e antes de morrer.
Enquanto estamos assistindo ao filme, até podermos pensar que essas voltas ao passado, seriam para nós sabermos um pouco mais sobre Louise e sua relação com sua filha, no entanto, quase no fim do filme, veremos que as lembranças significarão mais que isso.
Arrival, em alguns momentos me lembrou a outro filme muito especial, Contato, e Judy Foster era uma cientista também. Na época esse filme me marcou muito. Porém, para além dos questionamentos habituais, existem alienígenas? O que poderiam querer de nós? Etc. Arrival nos surpreende com questões muito simples e ao mesmo tempo muito profundas. É genial quando Louise vê que eles traduziram com seu vocabulário um livro que ela redigiu, não por acaso chamado Linguagem Universal. Outra questão interessante apresentada no filme, é a possibilidade da linguagem modificar a forma de pensar e de visão do mundo. Sabemos que o aprendizado de uma língua estrangeira produz sinapses diferentes. No caso do filme essa língua é muito avançada e consequentemente atinge níveis também diferenciados de consciência. Seria uma bela metáfora para nos avisar que a humanidade ainda está muito atrasada? Sabemos que, não necessariamente nesse nível, mas, o acesso a outras línguas, com certeza, amplia nosso potencial intelectual e até mesmo emocional. 
Mais interessante ainda, quando a ficha cai e Louise percebe o que os alienígenas querem doar para ela e para Terra, é muito emocionante a forma como isso acontece no filme, porque também nos surpreende. Fiquei pensando, que, de alguma forma, a experiência que Louise vivenciou com os alienígenas também poderia ser uma forma de luto, em relação a trágica perda da filha, ela pode ressignificar todo o processo desde o nascimento até a morte dela. Não é isso que fazemos no luto, ressignificar, aceitar e recomeçar?
Para finalizar deixo aqui uma pergunta, que ao fim do filme ficou martelando na minha mente. Se você tivesse que viver sua vida, já sabendo o que iria acontecer, você a viveria da mesma forma?
Parece simples, mas quando refleti sobre isso, questões muito profundas e existenciais me visitaram e pude, com muito amor e compreensão, primeiro perceber, como Louise, que precisamos estar disponíveis, para escutar e se comunicar não só com o outro, mas conosco também. Depois, aceitar que, certas experiências merecerem ser vividas, mesmo que como tudo na vida humana, envolvam amor e dor. Esse mergulho fugaz que dei na minha singela existência, foi sem dúvida, o melhor presente que o filme me concedeu.