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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O Insulto, um filme para refletir sobre as identificações, o ódio e os significantes.








O Insulto é um daqueles filmes que te leva a refletir, o que Freud ilustrou tão bem em seu livro O Mal Estar na Civilização 1930, vou iniciar esse texto citando um trecho que penso representar bem o que assistimos nesse filme:
"O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos seja mais penoso do que qualquer outro."
Freud tocou em um dos pontos essenciais do ser humano, a dificuldade de se relacionar e ainda afirma, que talvez seja o lado mais penoso e que causa mais sofrimento. Realmente, ao longo da história da humanidade, essa constatação tem sido vista através das guerras e atrocidades impostas entre os homens. 
O Insulto, filme libanês que concorre ao Oscar de melhor filme estrangeiro, dirigido por Ziad Doueri e com o roteiro genial do mesmo Ziad e Jouelle Touma, aborda um conflito que inicialmente parece até trivial e banal. Tony um cristão fanático e um refugiado palestino. O conflito começa porque Tony molha as plantas de sua varanda e a água cai em cima de Yasser que está trabalhando na reconstituição das fachadas do bairro. Yasser se dispõe a concertar a calha mal feita da varanda de Tony, mas este, além de recusar inicia uma discussão que vai parar na justiça local e posteriormente vai para um tribunal ganhando repercussão nacional.
O Insulto nos remete  um pouco ao filme A Separação, por seu roteiro dinâmico e inteligente, hora sentimos antipatia por determinado personagem, empatia por outro, as emoções do telespectador são alteradas a medida que este compreende melhor quem é  Tony e Yasser.
É importante ressaltar que uma frase que Tony profere para Yasser irá nortear o e nomear o filme, pois, essa frase ofensiva e com um poder "mortífero" das palavras irá configurar o insulto. Aí, nós Lacanianos entendemos bem como um significante pode representar um sujeito, perante o outro e lhe dar uma identidade simbólica. Yasser por se sentir ofendido inicialmente xinga Tony de "babaca do caralho", uma reação de quem se aborreceu com a atitude de seu semelhante, no entanto, quando Tony insulta Yasser, não é apenas um xingamento comum e reativo, Tony escolhe significantes que ofendem a tradição, o povo e a identidade de Yasser. Essa atitude fará toda a diferença de posicionamento dos dois frente a um conflito, um xinga para descarregar sua raiva, o outro fala para mortificar.
Somos seres falantes, as palavras são uma das formas de nos comunicarmos e fazermos laços. O peso de uma palavra, pode ter a potência de uma agressão física e ferir a alma, levando-a  até a doer mais que o corpo físico. 
Ao longo do filme, conhecemos dois homens com histórias muito sofridas, porém, percebe-se que um pode tratar melhor seus traumas, ressignifica-los e continuar vivendo com menos ódio e identificações negativas, o outro, no entanto, foi preciso todo o processo, desde a discussão inicial até o julgamento, para poder olhar de novo para o seu passado e "abraçar"a criança que ainda chorava dentro de si, devido as perdas e traumas.
O Insulto mostra que em guerras, ninguém sai ganhando e as perdas são irreversíveis, principalmente as simbólicas, que deixam os sobreviventes muitas vezes, sem recursos e com marcas indeléveis para suportarem um real tão duro e cruel.
Me chamou muito atenção no filme, de como é fácil se implantar e alimentar o ódio, Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu de 1920/1923, aborda com maestria as identificações dos grupos, como um sujeito sozinho não tem tanta força, mas quando se junta com muitos, isso muda completamente, sabemos que a identificação é o amálgama para todos amarem ou odiarem, por isso, as guerras nunca acabam. Qualquer diferença, de opinião, partido político, crença, raça podem iniciar uma avalanche de ódio e uma histeria coletiva, culminando numa guerra para exterminar o outro não mais simbolicamente, mas também no real.
A atitude de Yasser quando procura Tony, em particular quase no final do julgamento, é um dos momentos especiais do filme, sua generosidade em tentar fazer o autor do seu processo judicial  entender o que ele sentiu ao ser insultado foi genial.
A conclusão desse processo judicial também é brilhante, pois, tudo leva a crer em um determinado resultado, mas, o bom senso e sabedoria  prevalecem nesse caso.
O Insulto poderia ser um filme que abordasse conflito de raças, classes, etnias e acontecer em qualquer país do mundo, porque, parafraseando o advogado de Tony: a natureza humana é única para todos. Complementando, não há nenhuma forma de mensurar um sofrimento, portanto, não existe maneira de julgá-lo.
Filme imperdível para quem gosta de um bom roteiro e boas reflexões.


5 comentários:

  1. Boa noite!
    Legal o seu texto sobre o filme na ótica psicanalítica. Faltou o seu nome. Parabéns. Assistirei ao filme. Abraço.

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    1. Olá. Logo após a primeira imagem está "(...) Mara Baroni. Doutora e Mestre em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília, Docente e Consultora".

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    2. Mara Baroni e tenho um canal tb:
      https://youtube.com/c/FreudecinemaBlogspotMaraBaroni

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  2. Boa noite!
    Legal o seu texto sobre o filme na ótica psicanalítica. Faltou o seu nome. Parabéns. Assistirei ao filme. Abraço.

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