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terça-feira, 4 de abril de 2017

Mahler no Divã (Mahler auf der Couch)


Recentemente tive o prazer de assistir ao filme Mahler no Divã (Mahler auf der Couch, 2010), na Semana da Língua Alemã. Conheci o trabalho do diretor Percy Adlon em outro excelente filme “Bagdá Café”, que me marcou profundamente pela sua simplicidade e beleza. Nesse filme, Percy repetiu a dose de profundidade e beleza, tanto no que diz respeito a fotografia (o filme tem planos gerais e close-ups bem bonitos), como na intensidade da história que aborda.
Mahler no Divã, versa sobre a história do compositor austríaco Gustav Mahler, seu casamento conturbado com sua esposa 20 anos mais jovem e o encontro com Freud.
O compositor vive uma crise conjugal, regada a um adultério que o faz entrar em contato com Freud para ser atendido. No entanto, Mahler não consegue deitar no divã inicialmente e a sessão acontece em um longo  passeio pelos canais de Amsterdã.
A princípio, até pensei que a diferença de idade de Mahler em relação a sua esposa, realmente teria causado a crise, afinal Alma, sua esposa, era uma mulher linda, jovem e carismática, exatamente o oposto de Gustav. No entanto, os opostos nesse caso se atraíram e deram certo, pelo menos por um tempo, e o que desestabilizou o casamento, não foram as diferenças, estas, só apareceram quando o relacionamento já estava ruído.
Quando assisti esse filme, algumas questões conflituosas, me remeteram a outra película: Criação (2009), que mostra um período conturbado da vida de Charles Darwin. O que esses dois filmes têm em comum? A tragédia e a dor na vida de dois gênios. Como cada sujeito se posiciona diante de um real traumático e inassimilável a priori? Embora geniais, nem suas paixões, no caso de Mahler, a música, e Darwin, de sua teoria da evolução, dão conta de suas misérias pessoais.
Sabemos que simbolizar o trauma é o único caminho para o luto, o retorno à pulsão de vida e ao desejo, no entanto, entrar em contato com esse material doloroso e recalcado, nunca é fácil. Nesse caso Freud auxilia Mahler a acessar seu inconsciente e perceber onde começou exatamente sua crise conjugal e, o mais importante, qual sua implicação nela. Sim, é isso que vivenciamos em análise, acessamos o que nos fere e nossos sintomas, mas também como estamos implicados nesse processo através de nossas escolhas, que na maioria das vezes é inconsciente. Com um rigor freudiano, Mahler é levado ao fundo do poço de sua dor e pode se redimir consigo mesmo e com sua esposa Alma. É muito interessante em uma das cenas do filme, Freud pergunta para Mahler, qual foi a reação de Alma, quando ela é confronta com a carta de seu amante. Maher relembrando o momento, vê a esposa, mas não consegue ouvir o que ela fala. Freud aponta isso como recalcamento. No entanto, no momento certo, Mahler lembra e tudo faz sentido para ele. Freud também ao final da consulta expressa uma pérola, ele pontua que, o adultério pode ter sido uma forma de Alma abrir os olhos de Mahler. É, as vezes, o recurso para sermos notados é por meio de um terceiro, já que o casal anda cego há muito tempo, afinal, foi o adultério que sacudiu a letargia de ambos, levando Mahler, inclusive a buscar ajuda com Freud.
Como Darwin, Mahler terá que fazer um luto profundo, para que possa retomar sua vida. A beleza desses dois filmes, é poder constatar, que por mais doloroso e traumático que seja o real, sempre há possibilidade de luto e recomeço para o sujeito.

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