Adicione um
tema real, atual e oportuno; um roteiro coeso e uma direção primorosa, esse é o
resultado do novo filme dirigido por Ken Loach, e escrito por Paul Laverty, que ganhou a Palma de Ouro, prêmio como melhor filme no último Festival de Cannes,
2016.
O que leva um
filme melancólico, triste e extremamente real ser tão bom? Penso que a capacidade do
diretor em transmitir tão bem a realidade de pessoas comuns como nós. Daniel
Blake poderia ser cada um de nós, poderia ser um amigo nosso, nosso irmão,
nosso parente, ou nosso vizinho, de tão familiar que é a estória dele.
Um homem
trabalhador, esforçado, sem qualificação, muito simples, não tem filhos,
parentes, esposa e que vive de seu salário. Repentinamente Daniel é acometido de uma
doença cardíaca que o impede de trabalhar. Essa é a estória central desse filme
genial, que nos envolve do início ao fim, sem melodramas ou clichês, o filme é um bom exemplo de que para se fazer
cinema de qualidade, é preciso ter mais massa cinzenta do que muitos dólares.
Recentemente
Loach esteve no Brasil e numa entrevista disse que o Estado vende a ilusão que
somos ricos. Eu corrigiria essa afirmação, penso que o Estado vende a ideia que
somos amparados pelo nosso trabalho e pelo tempo de vida que investimos nele,
afinal, temos “direito” a um auxílio quando necessitamos, já que, pagamos
impostos, e trabalhamos anos a fio. É justamente essa falsa ideia de amparo que cai para Daniel durante o filme. Ele é um homem que não é mais jovem, sem saúde, se confronta
com uma burocracia asfixiante, uma cobrança de conhecimento digital e um jogo
perverso do governo para adiar seus direitos ao auxílio trabalhador, embora sua
médica afirme que ele não esteja pronto para voltar ao trabalho, o governo
afirma o contrário.
Aos poucos, vamos entrando nesse mundo real, duro e injusto em que vive Daniel e também todos nós
vivemos, por isso afirmei acima, Daniel poderia ser qualquer um de nós. O que
temos além de um trabalho para sobrevivermos? E quando não somos mais
produtivos o que viramos? Um vagabundo, um preguiçoso, um sem teto, um número
de inscrição? Daniel irá questionar todos esses significantes, além, do mais
importante, a dignidade. A medida em que o sujeito, não tem um lugar econômico e
social no mundo, ele perde sua dignidade. Vamos perceber isso em outros
personagens do filme, como a amiga, mãe solteira e desempregada que ele apoia. A dignidade de Kate vai sendo minada aos poucos, devido a questão da sobrevivência
dela e de seus filhos. A cena em
que ela recebe a cesta básica, e não consegue se controlar abrindo uma lata de
molho e comendo escondido porque estava quase desmaiando de fome ou o furto de
absorventes, que não eram doados, é de cortar o coração. Comer, morar, ter higiene,
são direitos básicos, sem isso o que o ser humano se torna? Um indigente, um
nada ou um simples número como Daniel irá desabafar em sua carta.
O filme é um grande alerta ao mundo em que
vivemos, no qual, devido ao neoliberalismo, que inclusive, se instala a todo
vapor em nosso país, não respeita e não se importa com direitos e bem- estar do
trabalhador. Não é isso que começamos a ver com as novas leis trabalhistas que
o governo ilegítimo de Temer tentar impôr? Doze horas de trabalho,
aposentadoria com 50 anos de trabalho, negociações salariais e flexibilidade de
carga horária com empregadores. Como alguém irá trabalhar 50 anos para se aposentar? E se o trabalhador
for acometido com uma doença grave como Daniel Blake? Como irá sobreviver com
uma percentagem mínima de sua aposentadoria? Como depois de velhos, alguns, doentes, poderão
complementar sua renda? No Brasil já vemos Daniels Blake, sentados nos INSS, e
recentemente vimos aposentados do Rio de Janeiro, passando dificuldades porque
não recebem seus salários. Li outro dia, num post do Facebook, um professor
debatendo com um aluno que afirmava que o capitalismo e o socialismo nasceram
na mesma época, pós revolução industrial, no entanto, o socialismo segundo o
aluno, tinha fracassado. O professor respondeu prontamente: mas se não fosse o
socialismo, você trabalharia quinze horas por dia, foi o socialismo que lutou e conquistou para os trabalhadores a redução na jornada de trabalho.
A Revolução Industrial ficou para trás, os trabalhadores não são mais escravos. Será? Ou vivemos
o novo modelo de escravidão na contemporaneidade, travestido no neoliberalismo, no qual o salve se quem
puder é o ditado marcante para os sujeitos? Nesse mundo cada vez mais
capitalista, mais desigual, onde afetos verdadeiros como o de Daniel por sua amiga Kate e seus filhos é algo cada
vez mais raro e a banalização da miséria do outro, da violência e da morte se
tornam cada vez mais presentes, constatamos, infelizmente, que o filme: Eu,
Daniel Blake, longe de ser uma ficção é um alerta para um futuro próximo que abocanhará a todos nós.
Muito bem colocado seu artigo... filme excelente para percebermos como esse neoliberalismo tenta de todas as formas tirar de nós a essência que é o afeto. Somos sujeitos empreendedores de si e assim é a meta de vida. Vamos perdendo sensibilidade e colocando no lugar desejos materiais.
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