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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Verão 1993



Verão 1993 - Vencedor do Prêmio para obra estreante no Festival de Berlin desse ano.
Imaginem um filme simples, com uma fotografia belíssima e um roteiro abordando um tema duro, real e polêmico, esse é o excelente Verão 1993. O filme foi escolhido para representar a Espanha e concorrer a uma vaga pelo Oscar 2018 de melhor filme estrangeiro e quando o assistimos entendemos que a indicação é merecida. 
Apesar de tratar da morte da mãe de uma das protagonistas, Frida( Laila Ortigas), a película em nem um momento é exageradamente dramática. Sabe aquela capacidade ímpar do diretor de saber dar leveza mesmo quando o os personagens vivenciam perdas e dores emocionais profundas? Foi o que produziu Carla Simón, apesar de ser estreante mostra que veio para ficar e com sua direção afinadíssima nos leva a sentir empatia logo de cara com as personagens crianças, Frida e Anna (Paula Robles) que por sinal fazem do filme um deleite para nós adultos. A inocência, e ao mesmo tempo os afetos contraditórios como ciúmes e rejeição são demonstrados no filme de forma que o universo infantil possa ser compreendido de uma maneira bem simples.
Frida é uma criança de 6 anos que vai morar no interior da Catalunha com os tios e a prima Anna de  4 anos, depois de ficar órfã dos pais. A adaptação não é fácil, pois são muitas as mudanças: de cidade, na rotina e na convivência com os tios. 
Cabe ressaltar que a paciência, a compreensão e o amor da família que acolhe Frida irão fazer da sua transição familiar um recomeço cheio afeto e amizade, “os novos pais”, a acolhem profundamente e sem distinção, como se fosse realmente sua filha. Isso sem dúvida fará toda a diferença, todavia, sabemos que, mesmo os filhos biológicos precisam ser adotadas emocionalmente pelos seus pais. Nós, seres humanos precisamos além de cuidados básicos, de afeto, de amor e da palavra. Se sentir acolhida e amada será o primeiro passo para que Frida mais adiante, como vemos no filme possa falar sobre a mãe, a morte e até chorar essa perda. Afinal para que caiam as nossas defesas é essencial um ambiente seguro em que possamos nos fragilizar e sentir a nossa dor, como no setting de analítico com o analista, é preciso tempo, e escuta do outro para podermos simbolizar o real que comparece abruptamente sem avisar. 
Quando Frida consegue perguntar sobre a mãe vemos o seu primeiro movimento em direção ao simbólico, à tentativa de fazer borda àquele vazio abismal que se instalou repentinamente em sua vida. E não posso deixar de ressaltar que Frida apesar de órfã, era uma amada e acompanhada pelos avós e tias, portanto, não era uma criança desamparada, mas, a perda da mãe marcaria também uma mudança radical em sua vida. 
Ao final do filme vemos uma dedicatória, na qual o filme é dedicado a mãe da diretora, que, além de uma bela homenagem, talvez Carla esteja mais uma vez simbolizando sua perda, só que dessa vez, através da arte e da sublimação criando uma obra de arte.



quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Com amor, Van Gogh


     

                        Com amor, Van Gogh, essa animação, produção da Polônia e Reino Unido  estreou em junho de 2017 no Annecy International Animation Film Festival e irá concorrer ao Oscar em 2018 na categoria de melhor filme de animação. Essa película reuniu os diretores Dorota Kobiela e Hugh Welchman, e 100 pintores que pintaram em estúdios poloneses, utilizando as mesmas técnicas do artista holandês, ou seja, o "estilo Van Gogh de pintar", pinceladas curtas e intensas. Foram produzidos cada um dos 65 mil frames do filme “Com amor, Van Gogh" depois da filmagem com atores de verdade. 
           O pintor que representou o pós-impressionismo e ao mesmo tempo deu início ao período pré-expressionista, cometeu suicídio em 1889 aos 37 anos. O personagem principal é Armand Roulin (Douglas Booth), filho do carteiro Joseph Roulin (Chris O’Dowd), de quem Van Gogh se tornou grande amigo ao se mudar para Arles, no sul da França. Os retratos que o pintor fez de Joseph e da família Roulin estão entre os mais vistos de sua obra. 
             Armand Roulin a pedido de seu pai, sai a procura de Theo o irmão de Vincent a fim de entregar a última carta do pintor ao irmão. só que, a medida que Armand vai percorrendo o trajeto de Vincent, conversando com pessoas que estiveram ligadas ao pintor, vai descobrindo mais detalhes da vida difícil e conflituosa de Van Gogh. Desde sua passagem ao ato, quando o pintor corta um pedaço de sua orelha até o seu suicídio, Armand vai nos mostrando os diversos pontos de vistas de cada um que conheceu Van Gogh, aí pontuo a grande sacada no roteiro do filme, como na vida real, nós nos envolvemos durante a película, de acordo com os fatos que temos conhecimento, hora ficamos com raiva do médico de Van Gogh, depois de um dos adolescentes que ele convivia (quando vocês assistirem entenderão o que estou falando), imaginamos um amor que não aconteceu, essa estratégia do roteirista de nos levar junto com Armand às descobertas sobre Van Gogh nos prende do início ao fim do filme.
         Vamos às considerações psicanalíticas, afinal esse blog faz articulações entre cinema e psicanálise. O filme faz uma breve síntese da estrutura familiar de Van Gogh, de sua infância, juventude e início de carreira, porém, mesmo não aprofundando o que vemos é o suficiente para perceber a estrutura psicótica de Van Gogh. Vincent nasceu um ano depois de um irmão que nasceu natimorto, no filme sua mãe aparece como uma mulher fria, distante e que nunca conseguiu fazer o luto desse filho que nasceu morto, o pai era pastor e autoritário, sobrando só seu irmão mais novo, Theo, sua única referência de amizade, afeto e apoio familiar. O filme mostra a dificuldade de Vincent encontrar seu lugar no mundo, de se encaixar numa profissão e socialmente. Não é isso que constatamos na estrutura psicótica, devido a falha no simbólico? O psicótico por não ter acesso a significante Nome do Pai, é um órfão de insígnias fálicas que o possibilitem conquistar seu espaço no mundo.Van Gogh tentou vários trabalhos mas não conseguiu se fixar em nenhum, até que Theo o incentiva a pintar. Em oito anos Van Gogh pintará compulsivamente. Em um dos momentos do filme aparecem a frase citada pelo pintor: “Só podemos falar através das nossas pinturas”.  Sabemos que os artistas falam através de sua obras e no caso de Vincent devido a sua estrutura psíquica, provavelmente era mais fácil falar através de suas pinturas, elas podiam expressar seus sentimentos, suas dores, seu mundo. Armand em sua busca pelo destinatário da última carta de Van Gogh, descobre que seu irmão Theo morreu poucos meses depois de Vincent. Seu pai, o carteiro amigo do pintor diz para Armand que não se conforma com o suicídio do pintor, pois 6 semanas antes de sua morte, ele havia lhe escrito informando que estava muito feliz. 
           Armand segue para cidade francesa Arles, com o intuito de investigar os últimos dias de Van Gogh, o pintor teria escolhido essa cidade para continuar seu tratamento depois de sair do hospício com o médico, que também era um grande apreciador das artes Paul Gachet. De acordo com os fatos apresentados pela camareira do hotel em que Van Gogh e Armand depois se hospedaria, Gachet se torna o principal suspeito pela morte de Van Gogh. Tudo leva a crer que os dois se desentenderam e que Gachet mata o pintor. No entanto, vamos ver que a culpa, a desesperança e a solidão é que mataram o pintor. Van Gogh é profundamente melancólico, ao saber que seu irmão mesmo sem condições financeiras paga o seu tratamento, o deixa completamente desorientado provocando sua morte.
           Viver é árduo para todos, mas, para os psicóticos, como no filme, vemos a necessidade de reconhecimento, de conquistar um lugar ao sol, de provar que pode ser bom em algo. A arte e a criação podem ser as ferramentas que possibilitem seres humanos como Van Gogh com estrutura tão frágil produzir obras tão impactantes. As obras talvez possam dar contorno a esse vazio tão intenso e barrar a invasão desse Grande Outro que não cessa de invadir, afinal o olhar do espectador se voltará para obra e não para o autor inicialmente.
             Assistir ao filme foi uma das experiências imagéticas mais prazeirosas que vivenciei (já estou pensando em assistir ao filme novamente). O filme é tão lindo que nos causa desejo de conhecer mais sobre o pintor e suas obras, os personagens são pintados exatamente como Van Gogh os pintou. Os apreciadores de arte, de cinema, de beleza irão se deleitar do início ao fim do filme, além de se emocionar com a qualidade técnica.
           Como dizia Van Gogh só podemos falar através das pinturas, Vincent continua falando através das suas, com a mesma intensidade e sensibilidade ao longo dos séculos. Com amor, Van Gogh é um filme sobre um gênio produzido pelos gênios atuais, show de metalinguagem, a obra dentro da obra...