Recentemente assisti ao filme O motorista de táxi que é baseado em
fatos reais. Em
1980 a cidade de Gwangju é submetida a uma intervenção militar na Coréia. O filme
foi representante do Coréia do Sul na tentativa de uma vaga ao melhor filme em
língua estrangeira no Oscar 2018. Dirigido por Hun Jang, a película é
magnificamente conduzida por esse diretor que leva seu protagonista principal Song
Kang-Ho a
dar um show de interpretação.
O filme me convocou a
muitas reflexões e me atravessou de forma muito profunda. Parece até coisa do
inconsciente, porque eu não sabia nada sobre esse filme, e eis que quando começo
a assistir, percebo que se trata de um tema sempre atual para humanidade, os
regimes autoritários e suas nefastas consequências para o povo. “Coisa do
inconsciente” pois, estamos em um ano eleitoral no Brasil e uma parte da população
brasileira defende um candidato que defende um discurso autoritário e de violência.
Essa proximidade temporal com as eleições e o tema do filme que aborda uma
situação de revolta do povo coreano contra um ditador, me fez estremecer ante a
possibilidade da repetição de um gozo mortífero em nosso país.
Retornando ao filme Man-seob
(Song Kang Ho) é um motorista de táxi, sem cultura, alienado e totalmente
distante da realidade política do seu país, é o que poderíamos nomear de “pobre
de direita”. Um homem bom, ingênuo, que não teve acesso à educação, que já foi
soldado e atualmente dirigi um táxi e vive com muita dificuldade e sem
conseguir pagar suas dívidas. A ignorância de Man-seob é
percebida logo no início do filme, em suas impressões em relação aos estudantes
universitários que participam de uma manifestação contra o governo ele fala: “vão
estudar, vocês não sabem o que é viver um país ruim, como a Arábia Saudita e
dirigir num calor infernal, afinal nosso país não está tão mal assim”, sua fala
faz parecer que os estudantes são vagabundos e ingratos.
O taxista acaba caindo em uma situação totalmente sem o seu
controle e adversa, devido a necessidade de ganhar um dinheiro que pagasse
algumas dívidas. Ele transporta um cliente, sem saber, um jornalista
estrangeiro alemão que vem cobrir os atos de revolta em uma cidade coreana próxima
de Seul e acaba se expondo aos riscos, a violência e aos ataques do exército à
população. Aos poucos o homem ignorante e ingênuo entrará em contato com um
real avassalador e cruel da ditadura, da covardia e do genocídio. O filme
mostra como civis são mortos sem pudor ou limites e a manipulação da mídia
pelos ditadores, que ao relatar os acontecimentos na cidade Gwangju esconde
os fatos reais e os números de mortos.
Man-seob vê a
crueldade humana e a pulsão de morte no seu estado mais cru e sem filtros, pois
a vida do outro é banalizada e não tem o menor valor para o tirânico exército
coreano. Ao assistir esse filme, não pude deixar de me entristecer e lembrar
do quanto a humanidade é repetitiva e como esse gozo mortífero está sempre
ressurgindo, alimentando ó ódio em relação ao outro, incitando a eliminação do
diferente, do que diverge e do que representa o que não posso suportar a minha
castração. Pensei na angústia de judeus, sérvios, coreanos, argentinos,
chilenos e outros tantos povos, que sofreram com a ditadura e nosso povo que,
uma parcela da população deseja votar em um candidato que homenageia um
torturador, incita o estupro e está sempre incitando ao ódio e a violência.
Gente, onde está a memória da humanidade??? Todos sabem da história do Nazismo,
da nossa história tão recente, com tantas perdas e sofrimento. Me lembrei de
Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1921), Totem e Tabu ( 1912-1914), O Futuro de uma Ilusão
(1927), O Mal-estar na civilização (1930) e O problema econômico do masoquismo (1924),
um dos textos mais importantes na minha opinião para se entender a pulsão de
morte.
Man-seob, o taxista alienado perde sua
ingenuidade, e além disso, não consegue ficar indiferente a tudo que vê, sente
e finalmente percebe que o discurso pode ser manipulado de acordo com os interesses
e de quem tem o poder e só a verdade pode anular isso. O universitário antes
visto por ele como um vagabundo e sem motivo para estar protestando, ganha
status de amigo, de igual, de companheiro que luta pelos mesmos ideias:
liberdade e vida e para isso não precisa ser universitário, basta ser humano,
camponês ou motorista de táxi, essa pulsão de vida também é o único antídoto
para a pulsão de morte, pois Freud apontou que ambas eram feitas da mesma matéria.
Ao final do filme, apesar de momentos tristeza e constatação da
pulsão de morte e do gozo repetitivo da humanidade, ao ver o desfecho dessa película,
me trouxe também a esperança e a confiança na pulsão de vida, que leva muitos a
lutarem a se sacrificarem para que outros no futuro possam viver melhor e
livres, como o jornalista alemão, Thomas
Kretschmann correspondente de guerra, que coloca sua vida em
risco em prol de outras vidas, a fim de
mostrar ao mundo a violência do golpe militar, os motoristas de táxi que se
uniram para salvar os feridos e do próprio Man-seob que também se arriscou muito, pode se engajar, colaborar
e até amadurecer. Apesar do nosso lado humano mórbido e destrutivo, felizmente,
sempre existe luta e a vida no final do túnel.