O
que tem em comum os filmes: Procurando Ely (2009), Urso de Prata Berlim; Oscar
de melhor filme estrangeiro (2012), o 1o para um filme iraniano; O passado
(2013) e o
mais recente, O apartamento (2015) Cannes melhor ator e melhor roteiro? Todos foram
dirigidos pelo diretor Asghar
Farhadi. Asghar tem um tom peculiar de criar roteiros e dirigi-los, de forma a
nos provocar um misto de angústia, ansiedade e por fim reflexões. Ele nos leva
a percorrer os universos enigmáticos de seus personagens, e participar com
eles, seus momentos de dúvidas, ambivalência e julgamentos morais.
Os filmes de Asghar sempre abordam conflitos humanos, por isso são tão reais e também nos provocam tantas sensações e sentimentos, afinal, sabemos que nós humanos,
frequentemente, somos vítimas dessas desavenças com o outro. Quando assisti
Procurando Ely, seu primeiro filme, fiquei profundamente tocada com o ritmo da
trama e como o diretor, conseguia nos apreender de forma tão contundente e
avassaladora, isso mesmo, os filmes são avassaladores, a medida em que vamos
assistindo, somos tomados pelo pensamento: “Aonde isso vai dar’? E, longe de
vislumbrarmos uma solução, mais confusos e angustiados ficamos. Isso me remete
as situações que vivemos em nossas vidas ou as que escutamos em nossas clínicas,
as relações são verdadeiros “quebra-cabeças”, que na maioria das vezes, as
peças não se encaixam. Essa “fórmula” de transmitir na tela, conflitos tão
humanos, reais e perturbadores, se repete em todos os filmes de Asghar, por
isso também, os tornam tão especiais e geniais, principalmente, para os cinéfilos que gostam de um bom filme
de arte, regado com um bom roteiro e uma ótima direção.
O apartamento,
não poderia fugir a tal “fórmula”, um desmoronamento em um apartamento, leva Emad
e Rana a abandonarem sua casa e se mudarem para um outro apartamento que um
colega da companhia de teatro em que o casal atua, aluga para eles.
Logo
no início, já começa o primeiro conflito, a antiga moradora, deixa um dos
quartos trancados com seus pertences, impedido que os novos locatários possam
utilizar esse cômodo. No entanto, esse seria o mais simples dos problemas,
comparado do que estaria por vir.
Aos
poucos, vamos conhecendo também um pouco da vida da ex-moradora do apartamento,
através dos vizinhos, e pelo que eles descrevem, ela era uma garota de programa.
Interessante que, em nenhum momento isso é falado claramente, se utiliza do eufemismo como promíscua para nomear a conduta moral dessa moradora. Fiquei até pensando depois, se esses termos ou prostituta são permitidos serem ditos por eles. Aparentemente,
essa conduta moral da ex-moradora não afetaria a vida dos atuais moradores Emad
e Rana, se não fosse um grave incidente que afetará profundamente a harmonia do
casal. A partir disso, vemos um “desmoronamento”, físico e emocional entre os
dois.
Emad,
um professor culto, ator de teatro e com ideias progressistas, parodoxalmente,
se mostra devido a esse incidente, um homem machista, rancoroso e vingativo.
Emad não consegue conversar com sua esposa, sobre seus sentimentos, sua
angústia ou sua vergonha. Nada disso é simbolizado e sim atuado. Rana por sua
vez, também fala pouco sobre o que sente, a não ser, que sente medo. Esse
silêncio mortífero dá margem a muitas fantasias e o sentimento de honra de
Emad, se torna a coisa mais importante para ele. Asghar toca em algo
profundamente narcísico para um homem, certamente, vários expectadores homens
se identificarão com Emad. Outro ponto em que ele toca muito bem, é na
hipocrisia da sociedade iraniana, como que em uma sociedade tão religiosa e repressora,
existem garotas de programa e clientes? E muitos destes clientes como em
qualquer lugar do mundo, são casados, tem esposas e família. Por debaixo de
tanta moralidade, vamos conhecendo uma grande imoralidade.
Asghar,
tem esse dom, ou seja, o de fazer com que seus personagens sejam humanos e
reais, que mostrem suas sombras, que mentem, que sentem ódio, mágoa e ressentimento.
Seus
personagens são o paradigma de neuróticos que, quando confrontados com os dilemas
e conflitos da vida, deixam aflorar seus sintomas e demostram como é difícil
poder olhar de frente para as perdas, as dores e as decepções. Então, vemos a
sombra emergir através do sintoma de cada um. Emad, não poderia ser diferente,
apesar de aparentar ser um homem que pensa além da cultura que vive, repressora
e que censura seus textos e livros, no momento em que algo arranha um de sues
valores vitais, o de macho, todo esse verniz cultural cai por terra. Emad não
vira um “troglodita” é claro, mas, sua agressividade vaza, nas palavras, nos
olhos e por fim nas mãos. A fenda entre
Emad e Rana é grande e só nos momentos finais do filme, vamos ver realmente,
que um incidente provocado pelo outro, pode abrir uma distância quase
intransponível entre os dois.
Os
filmes desse diretor e roteirista brilhante, nos leva a repensar, como as
palavras, os sentimentos e por fim, os atos, podem trilhar toda a diferença nas
relações. O não dito, o não simbolizado, as identificações imaginárias, a falta
de representações que possam nomear tantas emoções e fantasias mortíferas,
podem levar a situações limites, como, as que vivenciamos em seus filmes.
Para
finalizar, parafraseio Jacques-Alain Miller:
"O amor é um labirinto de mal-entendidos onde a saída não existe."
"O amor é um labirinto de mal-entendidos onde a saída não existe."
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