O que você
como pai ou como mãe faria se sua filha de 16 anos desaparecesse com o
namorado? Esse é o tema central do filme Os Cowboys, roteiro e direção de Thomas Bidegain, mesmo roteirista de "O profeta", "Ferrugem e Osso" e "Dheepan, o Refúgio" (Palma de Ouro em Cannes 2015), aos quais assisti todos e os considero excelentes. "Ferrugem e Osso" já comentei no meu canal do YouTube e é um dos vídeos mais acessados.
Em sua estreia como diretor, nesse filme Bidegain nos traz essa história densa e angustiante. A partir do
desaparecimento de uma adolescente em
uma festa americana (na qual os
habitantes dançam, cantam músicas country e se vestem como cowboys) vemos a
família se desorganizar dia após dia.
Alain (François Damiens), o pai, entra em
uma busca incansável pela filha, que depois passa a ter o apoio do filho Kid. É
triste ver como esse acontecimento vai fazer com que a família se desintegre.
Fiquei pensando se a atitude obcecada do pai também não era uma culpa
recalcada por não ter percebido o que estava acontecendo com a filha e por não
ter conseguido impedir sua partida. Em alguns momentos, fiquei até em dúvida se
ela tinha sido sequestrada ou se escolheu fugir com o namorado muçulmano Ahmed.
Contudo, percebemos que quer fosse sequestro
ou uma escolha de Kelly, esse evento interferiu profundamente em todos e de
forma muito traumática. Alain em sua busca é extorquido em troca de
informações e tem acesso ao submundo dos
extremistas islâmicos que atraem jovens europeus a fim de integrarem seus exércitos.
O filme se inicia em 1994, penso que Bidegain quis nos mostrar que essa invasão
da Europa pelos muçulmanos data de um longo tempo, e como isso afetou as
pequenas cidades.
O irmão Kid se torna médico e retoma a busca
pela irmã quando tem condições. O pai transmite seu desejo para o filho, e pode-se até inferir que uma outra tragédia que acontece durante sua busca, mesmo não sendo intencional, poderia ser o desejo inconsciente de Alain em eliminar o
outro, que lhe causou tanta dor. Por 18
anos acompanhamos a saga dessa família para saber o paradeiro de Kelly.
Esse filme
me remeteu aos questionamentos atuais em relação aos adolescentes. Kelly é
considerada uma boa aluna, uma boa menina, mora em uma cidade pequena, no
entanto, os pais não sabiam que ela namorava um muçulmano e que inclusive
estava aprendendo a língua árabe. Sem dúvida, adolescentes são uma caixinha de
surpresa e o primeiro amor é sentido com uma força arrebatadora. Só isso
poderia justificar a escolha dela em deixar sua família para viver em outro
país, falar outra língua, mudar de nome e se converter a uma religião austera.
Os Cowboys nos mostra o quanto somos impotentes em relação aos desejos do outro, mesmo
que este outro seja nosso filho. Presenciamos um pai que não consegue aceitar e suportar a perda dessa filha, pois é compreensível que ele a
procurasse, mas essa perda o fez viver mais perdas, não possibilitando uma
simbolização. Em momento algum vemos Alain falar de sua dor, apesar dela estar
estampada em seu olhar e no seu desespero em encontrar a filha. Mas não há
troca entre a família, nem espaço para se vivenciar a dor. Alain joga tudo em
sua busca, de forma compulsiva, talvez ele precisasse de algo concreto para
poder aceitar a perda dessa filha, ou realmente não possuía recursos internos
para lidar com ela. Sem dúvida, a pulsão de morte toma conta da vida desse pai.
Poder chorar, falar e não só odiar, pode ajudar e muito a se fazer um luto. Interessante que Kelly foge com um muçulmano e Kid acaba também
casando com uma afegã, parece que esse traço em relação às diferenças ficará
marcado nessa família.
No final,
ficamos meio que como Kid, (quem assistir ao filme entenderá o que estou
dizendo), sentimos um misto de vazio com tristeza, sensações que o real provoca
quando comparece. Simplesmente o real é
isso, inominável e silencioso como o término do filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário