Total de visualizações de página

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Os Cowboys




O que você como pai ou como mãe faria se sua filha de 16 anos desaparecesse com o namorado? Esse é o tema central do filme Os Cowboys, roteiro e direção de Thomas Bidegain, mesmo roteirista  de "O profeta", "Ferrugem e Osso" e "Dheepan, o Refúgio" (Palma de Ouro em Cannes 2015), aos quais assisti todos e os considero excelentes. "Ferrugem e Osso" já comentei no meu canal do YouTube e é um dos vídeos mais acessados. 
Em sua estreia como diretor, nesse filme Bidegain nos traz essa história densa e angustiante. A partir do desaparecimento de uma adolescente em uma festa americana (na qual os habitantes dançam, cantam músicas country e se vestem como cowboys) vemos a família se desorganizar dia após dia.
Alain (François Damiens)o pai, entra em uma busca incansável pela filha, que depois passa a ter o apoio do filho Kid. É triste ver como esse acontecimento vai fazer com que a família se desintegre. Fiquei pensando se a atitude obcecada do pai também não era uma culpa recalcada por não ter percebido o que estava acontecendo com a filha e por não ter conseguido impedir sua partida. Em alguns momentos, fiquei até em dúvida se ela tinha sido sequestrada ou se escolheu fugir com o namorado muçulmano Ahmed. Contudo, percebemos que quer fosse sequestro ou uma escolha de Kelly, esse evento interferiu profundamente em todos e de forma muito traumática. Alain em sua busca  é extorquido  em troca de informações e tem acesso ao submundo dos extremistas islâmicos que atraem jovens europeus a fim de integrarem seus exércitos. O filme se inicia em 1994, penso que Bidegain quis nos mostrar que essa invasão da Europa pelos muçulmanos data de um longo tempo, e como isso afetou as pequenas cidades.
O irmão Kid se torna médico e retoma a busca pela irmã quando tem condições. O pai transmite seu desejo para o filho, e pode-se até inferir que uma outra tragédia que acontece durante sua busca, mesmo não sendo intencional, poderia ser o desejo inconsciente de Alain em eliminar o outro, que lhe causou tanta dor.  Por 18 anos acompanhamos a saga dessa família para saber o paradeiro de Kelly.
Esse filme me remeteu aos questionamentos atuais em relação aos adolescentes. Kelly é considerada uma boa aluna, uma boa menina, mora em uma cidade pequena, no entanto, os pais não sabiam que ela namorava um muçulmano e que inclusive estava aprendendo a língua árabe. Sem dúvida, adolescentes são uma caixinha de surpresa e o primeiro amor é sentido com uma força arrebatadora. Só isso poderia justificar a escolha dela em deixar sua família para viver em outro país, falar outra língua, mudar de nome e se converter a uma religião austera.
Os Cowboys nos mostra o quanto somos impotentes em relação aos desejos do outro, mesmo que este outro seja nosso filho.  Presenciamos um pai que não consegue aceitar e suportar a perda dessa filha, pois é compreensível que ele a procurasse, mas essa perda o fez viver mais perdas, não possibilitando uma simbolização. Em momento algum vemos Alain falar de sua dor, apesar dela estar estampada em seu olhar e no seu desespero em encontrar a filha. Mas não há troca entre a família, nem espaço para se vivenciar a dor. Alain joga tudo em sua busca, de forma compulsiva, talvez ele precisasse de algo concreto para poder aceitar a perda dessa filha, ou realmente não possuía recursos internos para lidar com ela. Sem dúvida, a pulsão de morte toma conta da vida desse pai. Poder chorar, falar e não só odiar, pode ajudar e muito a se fazer um luto. Interessante que Kelly foge com um muçulmano e Kid acaba também casando com uma afegã, parece que esse traço em relação às diferenças ficará marcado nessa família.

No final, ficamos meio que como Kid, (quem assistir ao filme entenderá o que estou dizendo), sentimos um misto de vazio com tristeza, sensações que o real provoca quando comparece. Simplesmente o real é isso, inominável e silencioso como o término do filme.

Nenhum comentário:

Postar um comentário